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Você Não Está Só #16
Capítulo 16 — Passagem Espiritual
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Anteriormente…
A investigação em Santa Mônica começa a trazer resultados, mas também cada vez mais perigos para Ian e Melissa…
segure minha mão
não deixarei você cair
ouça minha oração
agora você pode partir
escute esta canção
você consegue sorrir?
dê adeus ao coração
você só precisa ouvir
vamos, segure esta mão
e siga para a luz até sumir.
Capítulo 16 — Passagem Espiritual
Revisão: Bianca Ribeiro.
Melissa sai de dentro da sala de documentação com uma expressão abatida, balançando a cabeça para os lados. Ela não encontrou nada. Dou de ombros, já esperava por isso. Levanto-me do banco de madeira duro, olho para a enorme porta de madeira que nos separa da névoa do lado de fora e suspiro. Enfrentar tudo isso após ter lido aquelas anotações não será fácil.
— Alguma ideia de como achar a casa dela? — Melissa pergunta.
— Zanzar pela cidade até achar ou ir ao centro hospitalar. Lá eles devem ter documentos mais completos de seus pacientes.
Ela concorda, mas parece desanimada.
— Está sentindo ele?
— Não. Você está? — Nego com a cabeça. — Ótimo, talvez ele tenha notado que não conseguimos nenhuma resposta e foi embora.
— Duvido. Deve estar esperando o momento certo.
Passo os olhos pelas paredes da catedral até o vitral trincado. Tiro o terço do bolso e entrego a ela. Melissa franze as sobrancelhas deixando a cruz pendurada na frente de seu rosto. Levanto a mão para mostrar o terço que enrolei no punho e ela faz uma careta ainda mais confusa.
— Você tem uns fetiches curiosos.
— Não… — Preciso conter o riso. Ela sorri de leve. — Se essa igreja o impediu de entrar de alguma forma, talvez estes terços nos ajudem a nos proteger de sua influência.
— Isso parece muito com um filme de terror.
— Alguma ideia melhor?
Melissa nega e enrola o terço no pulso. Mostra para mim com um sorriso. Seguro sua mão, puxo-a mais perto e deposito um beijo lento na sua testa. Depois, afasto o rosto e a encaro no fundo dos olhos. Desço o rosto nos encaixando em um beijo lento. As mãos dela entrelaçam meu pescoço, as minhas, sua cintura.
O beijo dela é gostoso. Parece me fazer sair do ar. Viajo em um universo particular só nosso. Um em que demônios e fantasmas não existem. Nem mortes, lembranças dolorosas ou medo. Só existe nós dois e esse sentimento colorido que nos abraça.
Aperto mais seu corpo ao meu. Melissa perde o compasso do ar que transita seus pulmões. O beijo ganha intensidade, a excitação cresce. Quero arrancar essas roupas e transar com ela aqui mesmo nessa igreja. As imagens mentais que surgem com a ideia me fazem sorrir nos lábios dela.
— É melhor a gente parar — sussurro.
— Em uma igreja? Você é muito safado.
Concordo olhando em seus lábios. Melissa bate de leve as palmas das mãos nos meus ombros.
— Vamos encontrar o centro hospitalar, a casa dela, resolver tudo e terminarmos o dia na cama. Esse plano está bom pra você? — Melissa me pergunta com uma sobrancelha erguida.
— Perfeito.
Damos um selinho rápido e nos soltamos.
— Juntos?
Melissa toma a frente entre os bancos de madeira.
Ela parece uma divindade guiando meu caminho.
— Juntos — respondo.
O sorriso que ela abre é tão brilhante quanto o sol. Cheio de um sentimento quase desconhecido chamado coragem, eu me aproximo da porta, passando por ela e liderando a investigação. Seguro as maçanetas com força, puxo-as para trás abrindo-as de uma vez. O calor da catedral é surrupiado pelo frio de fora. A névoa serpenteia para dentro, nos envolvendo como correntes, tentando nos atrair para dentro dela.
Vultos deslizam pela imensidão pálida diante dos meus olhos.
— Está vendo também?
— Sim.
Seguro forte a mão dela. Essas coisas não são humanas. Não há ninguém vivendo nesta cidade. O padre falou que as pessoas da cidade foram vistas pelo demônio como dignas. Havia pensado nessa estranha possibilidade, mas evitei acreditar nela. Assim que coloco os pés fora da igreja, porém, fica claro.
Esses vultos são os espíritos dos antigos moradores da cidade.
A névoa me impede de vê-los, mas as silhuetas são todas muito parecidas com pessoas normais. Caminham a esmo, parecem perdidas. Confusas. Algumas choram abafado. Tenho certeza de que, a distância, uma dessas almas está gargalhando em desespero.
Solto a mão dela, passo o braço pelas suas costas e a aperto a mim. Preciso protegê-la. Até hoje os únicos fantasmas que tive contato não fizeram nada contra mim, mas eu não posso confiar no que está acontecendo nessa cidade. Não quando o risco é a mulher que amo ser ferida.
A névoa está densa demais para enxergar até as silhuetas das construções. Os burburinhos dos espíritos começam a ficar mais numerosos, embora os vultos não sejam tanto. Melissa franze o cenho, não sei se está com medo ou apenas curiosa sobre o que está acontecendo. Aponta na direção da imensidão pálida com a ponta do dedo um pouco trêmula.
Primeiro vejo uma silhueta, depois noto que ela é diferente das outras. Cambaleia com coisas penduradas por onde devia ser as mãos, os pés mal saem do chão a cada passo… em nossa direção. Os demais vultos não estão ficando mais perto. Eles só estão perambulando a esmo, mas esse é muito diferente. A sombra fica mais nítida a cada instante.
A coisa projeta um gutural molhado como se estivesse se engasgando.
— Merda, que porra é essa?
Apresso nossos passos, carregando-a comigo. Terminamos de atravessar a rua. Melissa tropeça no meio-fio da calçada, mas eu não a deixo cair. As silhuetas começam a se dissipar no meio da névoa, exceto aquela coisa barulhenta. A criatura continua vindo em nossa direção.
Olho para os lados, procuro alguma coisa para servir de arma. Não encontro nada. Os barulhos da silhueta ficam mais alto. Eu não posso deixar ficar próximo demais de Melissa. Miro uma casa cuja porta está fechada e avanço até ela. Melissa resmunga alguma coisa. Solto seu corpo e me impulsiono contra a porta, a mão indo à maçaneta. Ela gira destrancada. Agradeço mentalmente ao fato dessa comunidade parecer de interior.
Agarro a mão de Melissa sem sutileza. A silhueta começa a sair da névoa.
— Não olhe para trás — ordeno.
Melissa aperta os olhos prestes a virar o rosto, mas eu a puxo de forma abrupta e ela nem consegue se concentrar naquilo. Jogo-a dentro da casa, enfiando-me junto. Tenho um breve vislumbre da silhueta, um rosto humano inchado e arroxeado. Bato a porta antes de vê-lo por inteiro.
— O que era aquilo, Ian?
— Eu não faço ideia.
Faço uma varredura nos arredores. A sala em que nos encontramos ainda tem móveis, embora todos estejam cobertos de poeira. Salto da porta até um sofá de dois lugares que empurro apressado para servir de barricada. Melissa assiste nervosa. Dou dois passos para trás, colocando-me frente dela, me transformando em seu escudo pessoal.
Toc, toc, toc, a criatura começa a bater na porta. Não como uma pessoa tentando entrar, mas como um ser instintivo acertando-se contra a madeira e forçando-a a quebrar. Volto a passar os olhos ao nosso redor. Antes que eu encontre alguma coisa, porém, sou capturado por um barulho vindo de um cômodo.
Merda, eu escolhi errado, penso e pego um abajur empoeirado para usar como arma.
— Está ficando louco, Ian?
— Sim, e você também se acha que não vou lutar para te proteger.
Dou a volta nela, sinalizando com o rosto para irmos até o cômodo. Melissa assente, não parece assustada. Será que ainda não percebeu a gravidade do que está acontecendo? A frequência das batidas na porta é diminuída após alguns golpes.
Caminho a passos cuidadosos até a peça que parece ser a cozinha. Seguro firme o abajur, a mão um pouco levantada, para caso seja necessário utilizá-lo. Assim que entro de vez no ambiente vejo um vulto cruzar a cozinha, encolhendo-se no canto ao lado da bancada da pia.
— Por favor, não me ataque, eu não sou um monstro — implora o dono do vulto com uma voz masculina idosa.
— Está tudo bem, não vou machucá-lo — aviso, abaixando o braço.
Uma cabeça se ergue do lado da bancada, um rosto velho coberto de caroços e torções de pele, olhos branco-leitosos e veias enegrecidas numa pele cinzenta. Este é outro fantasma, mas ele parece assustado.
— Eu sou Ian, essa é a Melissa. Como podemos lhe chamar?
— Antenor — conta o fantasma.
As batidas na porta param de repente. Ele sai de trás da pia, um senhor de idade com as costas curvadas pelo tempo, o rosto inchado que mal dá para enxergar os lábios. Este hospital colônia foi fundado originalmente para cuidar dos pacientes com hanseníase, na época chamada de lepra, então ele deve ter sido uma dessas pessoas acometidas pela doença.
Ela passa por mim, aproximando-se do fantasma. Estende a mão oferecendo um cumprimento que o senhor aceita. As mãos deles se encostam como se o espírito fosse real. Posso não ver o rosto dela, mas sei que está animada com a oportunidade.
— Vai ficar tudo bem — ela o acalma com sua voz tranquila.
— Obrigado. Vocês não são daqui, não é?
Você também não devia ser, né? Balanço a cabeça para os lados, deixo o abajur numa mesinha.
O fantasma puxa uma cadeira empoeirada e se senta. Parece normal vivenciar o mundo real sendo um espírito. Cruza os braços, esfrega a pele e nenhuma cinza cai. A tranquilidade dele ao conversar conosco me faz pensar que, para ele, talvez seja normal estar assim.
— Somos visitantes — Melissa esclarece.
— Visitantes… nós não recebemos muitas visitas.
Antenor olha pela janela da cozinha com nostalgia no semblante. Ele é um fantasma, preciso me relembrar, ele não está aqui de carne e osso, eu complemento para afastar essa empatia estranha por um morto.
— Por que você estava se escondendo? — pergunto. Melissa me olha irritada, como se eu estivesse cometendo um crime. Ele é um fantasma, não preciso me importar com sutileza.
— As pessoas de fora não costumam reagir bem a isso.
Ele nos encara e aponta para o próprio rosto. Sinto uma pontada no peito, pensando em todas as vezes que ele deve ter passado por inúmeros preconceitos em vida devida à aparência deixada pela hanseníase. Desvio o rosto, envergonhado pela forma que o tratei. Pode ser um fantasma agora, um cadáver em algum cemitério, mas antes disso ele foi uma pessoa com sua própria história.
— Nós não somos assim — Melissa comenta, sorridente. — Só estamos um pouco confusos com o que está havendo nessa cidade.
— Como assim, filha?
Melissa se engasga com a pergunta. Ela me olha, esperando que eu continue no papel de “policial mal”, pois claramente não conseguirá sustentar nenhum outro personagem que não seja a psicóloga compreensível.
— Você sabe que está morto, não sabe? — disparo, impaciente.
O fantasma esboça um sorriso nervoso de dentes podres.
— Todos estamos, vocês também estão, não é?
Pressiono os olhos. Melissa nega com a cabeça.
O fantasma fica surpreso.
— Como estão aqui, então?
— Não entendi sua pergunta, seu Antenor — Melissa sorri apreensiva.
— Esse é o Hospital Colônia Santa Mônica, não é? — questiono.
— Sim…, mas todos nessa cidade são fantasmas.
Trocamos um olhar confuso. Até agora realmente vimos apenas coisas estranhas, nem esperávamos que fossemos achar moradores, mas sua afirmação provoca um arrepio na espinha.
E as batidas na porta voltam a ecoar na casa.
— Por que vocês estão aqui?
— Estamos procurando a casa da avó dele, talvez o senhor a conheça. Maria Rosa—
Melissa é calada pelo dedo cinzento do fantasma apertando seus lábios, os olhos branco-leitosos arregalados. Parece apavorado com a menção da minha avó. Uma fina camada de névoa começa a flutuar dentro da cozinha. Percebo que o barulho na porta parou de novo.
— Não fale da bruxa na minha casa, se não ele vem.
— Ele?
— O homem do chapéu.
A névoa dentro da cozinha fica mais densa. O fantasma dá alguns passos para trás até se encostar na parede, os olhos arregalados. Uma risada sinistra ecoa pelas paredes da casa. Encaro Melissa que está em completo choque, ambas as mãos tremulas.
— Ele está aqui, Mel?
Ela concorda em silêncio.
Merda, resmungo passando os olhos ao redor.
— Mas ele não quer nos fazer mal — ela comenta baixinho, as lágrimas escorrem pelas bochechas. — Ele só quer o Antenor.
— Como assim?
O fantasma faz um som de engasgo. A névoa está enrolando-o como uma serpente, apertando-o prestes a devorá-lo. Seu rosto começa a se desfazer em cinzas, o pavor toma conta de sua feição sobrenatural. Corto a distância entre nós dois, seguro o ombro dele com a mão direita. A névoa estremece, dissipando-se. A cruz pendurada no meu antebraço vibra, as contas de madeira ficam quentes contra minha pele.
Antenor sorri com os olhos.
— Obrigado.
— Do que está falando?!
Mais cinzas começam a cair de seu corpo, sua forma vai se desfazendo. Sinto minha pele queimar debaixo das contas enroladas no pulso. Fecho os olhos tamanha a dor. As cinzas rodopiam ao meu redor fazendo o senhor de idade desaparecer de vez.
— Está tudo bem, Ian?
— Eu não sei — admito, virando-me para ela, as cinzas ainda dançando ao meu redor como pétalas confusas.
Sinto uma tristeza enorme misturada ao alívio de quem se sentiu preso por décadas. As lágrimas escorrem descontroladamente pelo meu rosto. Melissa ameaça se aproximar, mas eu aponto a mão aberta para ela, impedindo. Não estou sofrendo com os sentimentos, eles parecem uma parte importante que colide com minhas próprias emoções.
As cinzas começam a se iluminar em um branco-amarelado. Fecho os olhos deixando a onda de emoções me engolir. O calor da luz penetra meus ossos. O refluxo sobe junto de uma forte dor no estômago. Caio de joelhos vomitando os restos do fantasma, mas a sensação não é pesarosa como das últimas vezes.
É como se eu estivesse ajudando-o a se libertar através de mim.
— Você acabou de fazer a passagem de um espírito? — Melissa questiona impressionada.
— Eu não faço ideia do que isso significa, Mel.
Realmente não entendo os termos usados. Agora que ele se foi, entretanto, sinto um espaço oco dentro de mim. Parece familiar como se já existisse desde muito antes, mas eu só o percebi agora. Encosto as mãos no peito, a vontade de chorar ainda se debate dentro dele, e fecho os olhos respirando fundo. Levanto me apoiando na bancada da pia.
— Ele ainda está por perto?
— Não. Foi embora quando você fez aquilo.
Menos mal, penso, mas caminho até a porta da cozinha de onde posso enxergar a entrada da casa. A criatura parou de bater contra a madeira, porém tenho certeza de que ela está lá fora nos esperando.
— Precisamos dar o fora daqui.
— Antes seria bom a gente vasculhar a casa para achar pistas, não?
Pressiono os olhos na direção da porta. Algo me diz para não tomar essa decisão, então balanço a cabeça para os lados.
— Melhor irmos logo.
— Está bem…
A voz dela hesita.
— Algum problema?
— É estranho você todo mandão.
— Não foi a intenção. Eu só estou sentindo que não é a melhor opção.
Melissa franze o cenho. Assim como eu, ela não está acostumada a me ouvir aceitar intuição como argumento em uma discussão. Mesmo assim, concorda. Agradeço baixinho, pegando-a pela mão em seguida e disparando para a saída dos fundos da casa.
A névoa invade a cozinha com seu frio funerário. Lanço-nos para fora, entrando em um quintal pequeno com grama morta, uma árvore de galhos secos e três muros nos cercando – um para cada casa dos lados e atrás. Melissa solta minha mão e vai até uma das paredes emboloradas. A altura deles não é muito diferente, se eu a impulsionar parece que será fácil para ela saltar por ele.
Ouço algo roçar na grama. Não há ninguém além de nós dois, ambos imóveis tentando encontrar a origem do som. Penso se não é do outro lado, porém o barulho fica mais alto. Viro o rosto na direção que parece fazer mais sentido, uma curva que dá acesso a um corredor lateral na casa. Então eu enxergo a coisa mais bizarra de toda a minha vida – pior do que aqueles fantasmas ou qualquer pesadelo que tive até hoje.
Tem formato humanoide, mas anda aos tropeços. Seu rosto é irreconhecível, inchado e roxo, os olhos esbugalhados prestes a cair da face, lábios rasgados e sangue escorrendo pelas narinas. Seus braços são feitos de cordas e terminam em dedos de sisal longos na altura dos joelhos. Todo seu corpo é uma maquinação entre o grotesco e o mundano; parece vestir uma camiseta branca surrada de sangue e jeans comuns.
Eu não penso duas vezes antes de correr na direção de Melissa. Ela encara a criatura com o pavor esperado de quem vivencia um pesadelo real. Deslizo um dos joelhos no chão e uno as mãos para oferecer impulso. Melissa demora alguns instantes antes de entender o que estou tentando fazer. Pisa firme nas palmas das minhas mãos e eu a lanço para o alto. Fica agarrada ao muro e eu ajudo a colocá-la em cima dele ao empurrar suas pernas para cima.
A criatura expele um som gosmento.
Encaro o monstro outra vez. Uma corda está enroscada em seu pescoço, descendo pelo peito como uma gravata fúnebre. Procuro seu rosto de novo. Parece com meu irmão. Não pode ser ele. A última vez que o vi ele era um fantasma como o senhor que acabei de conhecer.
Essa coisa não pode ser ele…
… pode?
— Ian! Cuidado!
Por descuido meu a criatura está próxima demais. O braço direito se estica em cinco ramificações de sisal. Salto para o lado, rolando no chão frio, sujando minha jaqueta com terra úmida. Passo os olhos pelos arredores. Encontro uma tesoura de poda encostada na parede. A criatura tenta esticar aqueles dedos malditos em minha direção outra vez, mas antes disso ela é atingida por um pacote de Pringles atirado por Melissa.
Aproveito o momento para me arrastar pelo chão e me levantar aos tropeços. Pego a tesoura do chão, bato as costas na parede. O monstro se movimenta na direção do muro onde ela está. Melissa está chorando em cima do muro. Atira uma das garrafas d’água em pânico, depois outra, e então eu percebo que ele vai esticar os dedos e pegá-la.
Eu não vou permitir que ela se machuque.
Lanço-me na direção da criatura com a tesoura firme na mão direita. Levanto o braço pouco antes de colidir com a besta. Desço-o com força na têmpora inchada do alvo, a lâmina perfura a carne fazendo borrifar um líquido preto até chegar em uma camada um pouco mais dura. Uso o peso do corpo contra o dele para derrubá-lo. Boto a mão esquerda sobre o cabo da tesoura colocando todo meu peso sobre a arma branca até que termine de atravessá-lo.
Sangue preto verte do buraco deixado em seu crânio, espalhando-se debaixo dele como uma poça. Cambaleio ao me levantar de seu corpo morto. Tenho sangue nas mãos. Limpo na jaqueta até ensopá-la. Tiro a roupa e jogo sobre o cadáver na minha frente.
— Acho que ele não nos incomodará mais — anuncio, pasmo.
Mas quando me viro não vejo Melissa em cima do muro.
Comentário do Autor
Você Não Está Só acabou tendo influências do espiritismo meio que sem querer, pois, durante a adolescência, eu visitei centros espíritas algumas (várias) vezes e até li algumas coisas da doutrina; aqui, porém, não tendo ser fiel a crença. Apenas uso certas bases para construir esse universo. A outra grande influência nesse capítulo é Silent Hill 2, os monstros e o funcionamento da cidade. Recomendo muito o jogo, considero-o uma obra-prima do terror audiovisual.
Para além dessa história, terminei mais uma narrativa longa (a segunda esse mês!). Dessa vez foi Entre quadros e balões da Kami Girão. Um romance contemporâneo tratando majestosamente sobre luto. Fica a minha recomendação, pois, se você gosta das minhas histórias pesarosas, com certeza vai gostar dessa que trabalha tão bem a noção de superar um luto.
Enfim, se de um lado começamos a conhecer segredos do Ian, por outro temos mais mistérios sobre Melissa. O que será que vem pela frente sobre ela?