Você Não Está Só #8

Capítulo 8 — Fica Comigo

Anteriormente…

Melissa foi possuída pelo demônio do chapéu durante a sessão espírita! Aproveitando-se do corpo dela, a entidade contou a verdade sobre a avó de Ian e as mortes de sua família. Melissa conseguiu retomar o controle de seu corpo, mas acabou tendo que ser levada ao hospital, agora os dois precisam lidar com as descobertas e o aviso fatal de que Ian tem apenas mais algumas semanas de vida…

vivo em dois mundos distintos

um em que você está comigo

outro em que o amor foi extinto

quem vencerá? eu ou o inimigo?

Fica Comigo.

Capítulo 8 Fica Comigo

Revisão: Bianca Ribeiro.

— Eu realmente precisava disso — Melissa fala encarando o combo de hambúrguer, batata com cheddar e bacon e milk-shake.

Sorrio com o rosto apoiado na mão. Este é o brilho que me fascina, os olhos alegres, as sardas flutuando feito estrelas. Abre a caixinha do lanche, suspirando como num desenho animado. Melissa está muito, muito aliviada e não é para menos. Passou os últimos três dias internada, em observação e realizando exames diários em busca de alguma resposta fisiológica. Nenhum membro da equipe médica conseguia desviar os olhos curiosos sobre ela cada vez que um novo exame chegava limpo.

— Melhor que a comida do hospital? — Diana questiona mexendo na enorme bolsa atrás de alguma coisa, os olhos mal pairam sobre a filha.

— Qualquer coisa é melhor que aquilo — responde Melissa, séria.

Prendo um risinho. A comida não era assim tão ruim. Fui visitá-la todos os dias, nos três horários disponíveis. Comi com ela todas as noites a mesma refeição dos pacientes. Em nossos encontros falamos de coisas bobas e eu a atualizei sobre a faculdade, mas não contei a ela que após ouvir uma enxurrada de “meus pêsames” de quem nunca sequer conversou comigo antes, eu passei a ter certeza de que não quero mais ficar naquele lugar. Eu já tinha pensado em trancar o curso antes, mas dessa vez eu fui até a coordenação descobrir como fazer isso.

Diana retira uma agenda da bolsa. Faz tempo que não vejo alguém utilizando para a finalidade correta. Minha mãe tinha uma, mas só servia para anotar coisas e fazer cálculos. De resto, tudo ficava no celular.

— Preciso ir ao escritório. Cuida dela pra mim?

— Com a minha vida — respondo.

Diana sorri, ajeita a bolsa e se levanta da mesa.

— Nos vemos em casa, Mel?

— Hoje vou para o meu outro apartamento — Melissa brinca e sacode as chaves que dei a ela.

Isso faz meu rosto incendiar, o coração acelera como a bateria de uma música de heavy metal. Evito olhar a mulher mais velha, que não diz nada e desaparece em seguida. Melissa come tranquilamente o hambúrguer, os olhos mirando o lado de fora do restaurante. Olho na mesma direção e vejo Porto Alegre agitada como de costume; os carros enfileirados, as pessoas esperando os semáforos fecharem, os policiais conversando do lado da viatura. Tudo isso também é belo, mas não se compara ao brilho no rosto dela.

— Se falar essas coisas, ela vai pensar que estamos juntos, Mel.

— E isso seria um problema? — Melissa me encara diretamente.

— Não…

— Então tudo bem.

Aproveite as últimas sete semanas.

O aviso parece ecoar nos meus ouvidos. Não teve um dia sequer que essa maldição não assolou meus pensamentos. Se eu fosse uma boa pessoa, não um idiota egoísta, eu teria sumido da vida de Melissa após o ocorrido no centro espírita. Não, antes disso. Quando tive aquele pesadelo, quando a vi sendo levada pela escuridão. Eu tive todos os sinais jogados na minha cara e ainda assim deixei ela correr risco pelo meu sentimento egoísta de tê-la.

Fico com o rosto apoiado na mão, cotovelo fincado na mesa. Coloco algumas batatas na boca. Melissa mexe no celular com um sorriso de canto. Está linda, o brilho do celular realça seu rosto. Já a vi com essa carinha em outros momentos, combinando encontros e trocando mensagens quentes com outras pessoas.

Nestes últimos anos fui ouvinte de suas aventuras amorosas. As pessoas com quem ela se envolveu sempre foram melhores; mais ricas, mais bonitas, mais extrovertidas. Eu nunca tive chance de competir. Por isso aceitei acompanhá-la a distância, estando ali caso as coisas dessem errado. Abro um sorriso sutil ao vê-la digitar entusiasmada. Pelo menos assim posso me afastar antes que a tragédia a alcance.

— Certo. Precisamos conversar.

Melissa coloca o celular na mesa. Lá vem a notícia, aviso mentalmente.

— Por que sete semanas?

— Ahn, é sobre isso?

Fico aliviado que é sobre isso. Sou mesmo um grande hipócrita. Baixo o rosto, um riso ameaçando escapar, e balanço a cabeça. Falar sobre o que aconteceu no centro espírita parece ser perigoso. Como se abrisse uma porta fechada a sete chaves. Minha mãe falava que palavras possuem poder e eu não quero dar o direito de nenhuma coisa ruim surgir novamente e ameaçar a vida de Melissa.

Ela, por outro lado, parece se importar pouco com isso.

Melissa cruza os braços, sobrancelhas franzidas e costas para trás. Suspira, esperando que eu fale mais a respeito. Deve achar que está fazendo pose de durona, mas para mim ela continua fofa. Percebo que ela não vai arredar e então acabo suspirando também.

— Minha família tem falecido com exatos dois meses de diferença. Não dois meses e alguns dias, nem quase dois meses, mas exatamente dois meses. Oito semanas.

— Você acha que “ele” foi o responsável?

Encaro o lanche na bandeja a minha frente. Na adolescência o lanche jamais ficaria assim. Enquanto eu acreditava que precisava ficar sem comer como forma de punição por como me sentia, meus irmãos aproveitavam e enchiam suas barrigas. Minha mãe faria alguma piadinha com seu riso escondido. Aperto os olhos com a lembrança que nunca voltará.

Se aquela coisa for a responsável eu estou muito fodido.

— Desculpa, eu fui insensível — Melissa fala baixinho, sua mão procura a minha sobre a mesa.

Nego calado, ergo a cabeça e o rosto dela se torna um borrão.

Quando comecei a chorar?

— Não, não, está tudo bem. Eu só lembrei de umas coisas.

Recolho as mãos, escapo dos dedos dela. Enxugo as lágrimas e cruzo os braços. Melissa segura o copo de refrigerante.

— Olha, eu não sei o que ele pode ou não ter feito. Por acaso espíritos podem fazer essas coisas como nos filmes de terror?

— Eu também não sei, mas com certeza ele não era um espírito comum.

— O que quer dizer com isso?

— Espíritos costumam entrar em médiuns mediante certa permissão. Entretanto, eu não sou nenhuma médium, não vejo nem escuto essas coisas. Honestamente eu mal tenho estudado a doutrina.

Melissa toma um gole.

— Está me dizendo que devia ser impossível ele “entrar” em você?

— Não exatamente.

— Sério, Mel, eu preciso de algo mais claro do que isso…

Ela ri escondendo os dentes atrás da mão.

Como ela consegue ser tão linda?

— Eu não sei todas as respostas, mas sei como me senti. Foi como ter sido mergulhada em um poço de piche, cheio de névoa e frio, e começado a me afogar. Eu conseguia ver e ouvir tudo o que acontecia do lado de fora, mas estava afundando. Eu nunca havia sentido nada parecido nem lido em lugar algum algo assim.

— Sabe por que ele lhe chamou de resistente?

— Porque eu estava tentando sair do poço. Ouvi sua voz e pensei que podia escalar de volta, então comecei a tentar.

Essa confissão me pega de surpresa. Melissa respira fundo, os olhos fechados. Parece transportada de volta ao momento enquanto me conta os detalhes.

— De repente, senti uma pressão na cabeça. Tudo escureceu e acordei no hospital logo depois.

Analiso com cuidado cada fato. Em momentos normais, ou seja, naqueles antes de eu ver minha melhor amiga falando com outra voz e com os olhos revirados, eu sustentaria a hipótese de um episódio dissociativo. Tudo ali se parecia com o transtorno, de acordo com documentários e livros. A sensação fora do corpo, a tentativa de retomar o controle, ver-se como uma espectadora.

Balanço a cabeça para os lados, em negação. Mostro a mão esquerda enfaixada, os pontos já deveriam ser prova suficiente do sobrenatural, mas minha arrogância fez com que eu precisasse de mais. Os exames inconclusivos de Melissa, a cena no centro espírita que nunca mais sairá da minha mente, o aviso da entidade. Embora seja absurdo, por mais que seja ilógico, eu não posso mais negar.

Há um mundo sobrenatural que está interferindo na minha vida.

Empurro a bandeja para frente em alguns centímetros, cruzo os braços sobre a mesa e ergo as mãos apoiando o queixo.

— Eu só queria achar alguma lógica nisso, já que terei que lidar com essas coisas pelas próximas seis ou sete semanas.

— Você não está pensando em desistir de sobreviver, está?!

Dou de ombros.

— Não é como se eu pudesse vencer o espiritual, certo?

— Não, você vai vencer.

Solto um risinho tímido. Gosto de vê-la sendo otimista, mas não existe nenhuma esperança para mim. Existe alguma coisa insistindo em acabar com minha família. Alguma coisa sobrenatural. Fora de qualquer padrão que eu conheça para buscar ou imaginar uma solução. Além disso, eu já perdi tanto, mas tanto… do que adiantaria continuar vivendo se vou perder ela também? Talvez seja para outra pessoa, talvez para uma entidade maligna querendo mandar um aviso para mim.

— Já estou morto, Mel — falo e tomo meu refrigerante.

— Eu não aceito.

— Acho que não funciona assim.

— Você ainda tem umas seis semanas, não é? Isso significa que temos todo esse tempo para descobrir como salvá-lo. Não deve ser difícil—

— Não. — Interrompo e coloco o copo na mesa. — Há três dias você tentou me ajudar e quase morreu. Eu não posso colocá-la em risco novamente.

— Desde quando é você quem decide isso? Eu já falei antes, mas vou repetir: correrei o risco para estar com você.

— Eu não posso aceitar isso.

— Eu não estou pedindo permissão, Ian. Se não quiser me acompanhar eu irei sozinha atrás das respostas. Não entendeu ainda? Eu não quero te perder.

— Nem eu quero te perder.

Cruzamos os braços e agora estamos nos encarando calados.

— Você é um idiota.

— Não sou eu quem está querendo correr riscos desnecessários.

— Eu só quero ficar contigo, idiota.

Meu coração erra uma batida, o rosto esquenta e olho para o lado.

Eu também quero ficar com você, é tudo o que mais quero falar, mas parece que se eu fizer isso neste momento a amaldiçoarei por toda sua vida. Quando eu for engolido pelas trevas esse desejo mesquinho vai corroer seu coração até não sobrar nada. Melissa não merece isso.

Suspiro com pesar.

— Como se você já não tivesse decidido o que fará, né?

— Ainda bem que você me conhece muito bem — Melissa soa orgulhosa.

Deixo uma risadinha escapar. Quando percebo estamos rindo juntos. A risada dela deve ser o som mais belo do universo inteiro. Se a vida após a morte também for real, com certeza sentirei falta desse som.

Sossego, dou uma mordida no sanduíche e volto a largá-lo na bandeja.

— Ele disse que conhecia sua avó e seu irmão escreveu aquilo…

— Pelo visto ela tem mais importância do que pensava.

— Mas ela não está morta?

Um silêncio pesado cai entre nós.

— Acredito que agora esteja — falo entredentes. — Bruno deixou implícito que ela esteve viva em algum momento das nossas vidas, então o que nos contaram era mentira.

— Por que sua mãe mentiria sobre isso?

— Mais uma das tantas perguntas que não tenho como obter resposta.

Melissa respira fundo, os olhos cheios de pesar.

Dessa vez, porém, ela não se desculpa. Nem dou tempo a isso.

— Seja como for, essa mulher é importante, o Chapeleiro não falaria sobre ela se não fosse.

— Chapeleiro? — Melissa ameaça rir.

— É como passei a chamar aquela coisa. Ele falou a verdade sobre receber diversos nomes. Existe uma comunidade online dedicada apenas aos relatos de pessoas que viram algo semelhante a ele.

— Nunca ia imaginar que você era um nerd de creepypastas.

Dou de ombros e bebo o resto do refrigerante.

— Sofro de paralisia do sono desde que me entendo por gente. Encontrei essa comunidade nas minhas pesquisas sobre o assunto. A maioria delas também o vê. Para muitos ele é uma lenda, para outros é uma criatura sobrenatural e tem também aqueles que acreditam nas teorias mais estranhas de extraterrestres e essas coisas.

— Para você o que ele é?

Eu não sei, é o que quero falar. Sempre acreditei que ele fosse uma produção do medo. Um símbolo presente no inconsciente coletivo da humanidade. Se eu falasse isso agora estaria sendo teimoso, pois nenhum símbolo invadiria o corpo da minha melhor amiga e a deixaria hospitalizada por três dias. Muito menos faria com que a mera citação de seu nome começasse a me fazer sentir frio.

— Um demônio? Pelo menos era assim que minha mãe chamava.

— Desculpa, mas sua mãe era evangélica, meio que tudo era demônio.

— Você tem um bom ponto.

Por mais que minha mãe nunca tenha desrespeitado Melissa ou Jonas, ela tecia comentários bastante ácidos sobre suas crenças. Era pior na minha infância, quando até certos brinquedos eram demoníacos e eu não podia ter. Com o passar dos anos ela ficou mais crítica, mas não completamente liberta.

— Isso é mesmo importante, Mel?

— Talvez. Você deu um nome a ele e isso me parece importante.

— É só uma forma de eu elaborar meu medo — falo e percebo como aquela entidade tinha razão. Isso me faz engasgar um riso. Balanço a cabeça para os lados, uma fina camada pálida começa a granular minha visão em torno de nossa mesa. — Acho melhor irmos embora, está ficando muito frio.

— Não está assim tão frio, Ian.

Sorrio amarelo, pois se ela não está sentindo nem notando nada, significa que é a entidade se aproximando. Quero mandá-la correr. Tenho medo de que ele tome o corpo dela outra vez. Antes olho nossos arredores: um casal come em silêncio, uma criança barulhenta incomoda seus cuidadores um pouco mais distante de nós, o resto está vazio.

— Está tudo bem, Ian?

Quando me viro, a sua mão, macia e quente, encosta na minha testa. Pouco vejo de sua expressão. Afirmo com um murmuro e ela tira a mão. Finalmente posso ver seu rosto, mas ele não é mais seu. A pele bege está empalidecida com rachaduras nas bochechas, os lábios arroxeados e ambos seus olhos se tornaram esferas branco-leitosas.

Aperto as mãos nos olhos com bastante força. Melissa começa a perguntar se está tudo bem. Posso sentir os olhos dos outros clientes me encarando. Puxo fundo o ar contando até cinco, fico três segundos prendendo a respiração e solto tudo com mais cinco segundos. Escuto a risada maligna tocando minha nuca e me viro rápido, o que encontro é muito pior; as outras pessoas estão me encarando com os rostos derretendo no crânio. A névoa se tornando mais densa a cada instante.

Sinto o estômago embrulhar. Caio de joelhos ao lado da mesa, vomito o lanche. Posso ouvir os cochichos das pessoas me julgando. Após finalmente parar de colocar tudo para fora, limpo o excesso no canto da boca usando as costas da mão. Escuto o corre-corre de funcionários perguntando como estou me sentindo. Tenho medo de olhar para seus rostos e ver algo terrível.

O tempo está passando…

A voz da entidade ecoa no ambiente. Levanto o rosto ainda com medo, mas tentando encontrá-lo. As pessoas ao meu redor não estão transformadas em cenas assustadoras. Peço desculpas aos funcionários, seguro a mão de Melissa e me coloco em pé com as pernas fracas.

Eu não encontro o Chapeleiro em lugar algum, mas posso sentir o sorriso dele me encarando em algum lugar. Respiro devagar para colocar os pensamentos no lugar.

— Podemos ir embora?

— Claro, Ian.

Peço desculpas mais uma vez ao ver um dos funcionários chegando com o esfregão. Pego a mão de Melissa sem pensar muito a respeito e a trago comigo para fora do restaurante. Peço um carro no aplicativo de viagens enquanto desço as escadas. Um vento gelado bate contra minhas bochechas assim que saímos do estabelecimento. Melissa estremece surpresa com a mudança abrupta de clima.

Acendo um cigarro, o carro ainda vai demorar uns dez minutos de qualquer maneira. Melissa estica a mão pedindo um. Entrego a ela minha carteira de cigarros enquanto assopro a fumaça acima de nossas cabeças, vendo-a espiralar e desaparecer no meio das nuvens densas demais para a época do ano.

— Você está vendo coisas, né?

— Deve ser como a médium falou: é culpa do trauma.

— Sim, com certeza isso lhe deixou mais sensível, mas é real.

Dou uma tragada cansada. Queria poder não concordar.

— Quem diria que passar por tantas tragédias mudaria uma pessoa, né?

Melissa me olha preocupada de uma forma que nunca a vi antes. Acho que meu deboche saiu menos divertido do que na minha cabeça. A verdade é que já cansei de enfrentar essas coisas. Seria muito melhor descobrir que é tudo um grande episódio psicótico, mas acho difícil a essa altura; se for, pelo menos teremos alguma coisa para escrever em nossos TCCs.

O carro chega para nos buscar e a viagem é silenciosa. Vejo as nuvens ficando mais e mais densas na medida em que nos aproximamos de casa. Em algum momento nossos dedos indicadores se entrelaçam. Descemos debaixo das primeiras gotas de chuva. Melissa sobe na frente, trovões estremecem o prédio. Ela abre a porta e me olha sorrindo.

Enquanto ela se deita no sofá, eu fecho a porta. Relâmpagos iluminam tanto o céu como o interior do apartamento. Tenho certeza de que uma silhueta humana foi desenhada no canto da sala. Aperto o topo do nariz, desejando interromper as visões ao menos por alguns minutos.

— Ian, eu não quero te perder.

Melissa parece triste ao falar isso. Leva alguns segundos para eu conseguir enxergá-la nitidamente. Está encarando o teto, deitada no sofá, o antebraço esquerdo na testa e o outro braço pendurado ao lado. Suspiro, também não gostaria de um fim em que não posso mais vê-la, mas como impedir aquilo ao qual estou destinado a sofrer?

— Vamos achar uma solução — minto.

— Acredita mesmo nisso?

Nadinha, é o que quase escapa da minha boca.

Melissa me olha apreensiva, depois volta a contemplar o teto. Seus pensamentos flutuam como bolhas de sabão. Captura um deles, respira fundo e se senta com as mãos apertando o sofá e os olhos firmes em minha direção. Dura apenas alguns segundos, pois logo ela vira o rosto, as bochechas parecem um pouco mais vermelhas.

— Eu vou fazer o que for preciso, Mel.

— Promete? — pergunta me olhando de baixo, lágrimas prestes a cair pelas bochechas.

Seguro o rosto de Melissa com carinho, passo o polegar devagar pela bochecha muito, muito quente e abro meu melhor sorriso. Meu coração parece que vai explodir. Mas embora eu tenha agido por impulso, ela não demonstra incômodo algum com meu toque, ao contrário, ela se aconchega fechando os olhos.

— Fica comigo, Ian.

— Eu ficaria mesmo se não me pedisse.

As mãos dela seguram meus quadris. Sou puxado para baixo com cautela. Ajoelho-me diante da mulher mais linda do mundo. Ficamos próximos o suficiente para eu sentir sua respiração quente e me perder nas estrelas salpicadas ao redor dos olhos. Eu te amo, é o que gostaria de falar neste momento, mas não quero assustá-la. Não quero fazê-la correr mais rápido que o vento forte que bate nas janelas trazendo a tempestade.

Eu só quero que ela fique para sempre.

Os lábios de Melissa são lindos. Esforço-me para voltar a mirar seus olhos, mas não sou o único perdido na boca de alguém. Sorrio ao perceber as intenções dela, mas preciso resistir a vontade de beijá-la. Preciso pensar no futuro e em como vou machucá-la quando partir em seis semanas. Mantenho o carinho em sua bochecha, pois saber e conseguir são coisas diferentes.

Melissa assente em silêncio, as sobrancelhas em arcos.

Eu sei que devo rejeitá-la. Irei arruinar sua vida ao ceder ao desejo. Deslizo a mão até sua nuca, fecho os olhos. Desculpa, ecoa na minha mente quando suas mãos tocam meus ombros. Nossos lábios encostam devagar, sentindo a maciez e o calor timidamente, e se separam com um estalo baixo. Seguro o rosto dela com ambas as mãos e volto aos seus lábios com todo o desejo acumulado ao longo dos anos. Sinto as mãos dela me puxando para cima dela pelas costas.

— Eu sei que você não sente atração sexual, se você quiser parar…

— Sinto por você — interrompo antes que se torne uma palestra sobre demissexualidade. — Por você eu sinto muita atração sexual.

Melissa sorri feito boba, me puxa para perto e sussurra em meu ouvido:

— Então me mostra o quanto.

E eu mostro.

Comentário do Autor

Nem acredito que chegamos ao segundo arco da história (ou Parte 2 se preferir). Depois de uma introdução profunda sobre os temas da obra, finalmente podemos desfrutar mais da relação deles e dos mistérios. Aliás, o final desse capítulo foi o mais puro suco do fanservice, né? Ah, você não gosta quando eles “se amam”? Não se preocupe, em dois dias você receberá um novo envio com a cena deles “se amando” de forma explícita. Essa vai ser a minha primeira vez trazendo uma cena +18 ao mundo. Espero que você goste!

Isso é algo constante, na verdade, em uma publicação semanal. Sei que tem pessoas esperando a obra ser concluída. Assim como sei que tem pessoas que já abandonaram a barca. E tem várias outras que continuam lendo. Fico nessa jornada por você que me lê. Sempre será assim, não é? Recentemente, inclusive, assisti a animação Look Back (Prime Video, 58min) que fala muito sobre a relação artista-arte-leitor, mas no mundo dos mangás. Talvez quando esse envio chegue até você eu já tenha conseguido processar melhor a obra, mas neste momento, ainda estou pensativo. A animação é excelente e a história é incrível para todos os públicos, recomendo demais.

Na verdade, nas últimas semanas, muitas coisas tem me feito refletir sobre minha escrita. Livros que ando lendo, mangás, música. Ouvir o novo álbum do Tyler, the Creator e dias depois do The Cure foram cruciais para eu sentar e pensar o que realmente quero fazer como artista. Ver certos livros na lista do Jabuti, também. Assistir Look Back só jogou mais uma pá de terra em cima.

Quero trazer ótimas histórias ao mundo. Quero que você leia-as. Quero lhe divertir, mas também lhe fazer sentir coisas. Espero, profundamente, que isso esteja acontecendo com Você Não Está Só.

Obrigado por continuar por aqui.

Gogun.