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Você Não Está Só #9
Capítulo 9 — O Fantasma
Anteriormente…
Melissa recebeu alta do hospital! Ian não conseguiu evitar mostrar seus sentimentos por ela e os dois acabaram dormindo juntos, mas o que isso significará para sua amizade…?
o amor é mais forte do que tudo
se essa é a verdade deste mundo
porque dói tanto olhar para o luto
e ver que o que restou é imundo?
se você ia se juntar a morte
por que me mandou ser forte?
hipócrita.
Capítulo 9 — O Fantasma
Revisão: Bianca Ribeiro.
— Estou com fome — Melissa comenta sentada na beira da cama com as costas nuas viradas para mim.
— Vamos pedir alguma coisa.
Melissa concorda antes de ir ao banheiro. Fico hipnotizado pelo desenho perfeito de seu corpo, as curvas, as dobras, o contorno dos seios de perfil. Ela é linda, sexy, gostosa. É difícil acreditar que isso está mesmo acontecendo. Ainda mais sabendo que poderia ter acontecido antes se tivéssemos coragem de falar. Comunicação realmente é uma arma poderosa. Suspiro, os pensamentos se embaralharam demais. Escuto a porta do banheiro fechar e estico o braço até o celular sobre a cabeceira para pedir alguma coisa para comermos. Antes de tocar no aparelho, porém, vejo uma fina camada pálida de névoa cobrindo-o.
O frio invade o quarto que estava tão quente após nossos corpos se encontrarem. Tem algo me observando, posso sentir. A névoa fica mais densa sobre o telefone e agora se espalha até a porta, mas não sai do cômodo. Viro devagar com medo do que encontrarei. Uma pessoa está parada no canto do quarto, a pele acinzentada, os olhos branco-leitosos, os lábios arroxeados e o pescoço sobre o ombro com um calombo ósseo ameaçando sair pela jugular. Arregalo os olhos ao perceber que não é uma pessoa qualquer.
Quem me observa é Bruno.
Fecho os olhos com muita, muita força. Eu não quero vê-lo. Não assim, não agora. Busco no rolo de memórias o rosto tranquilo dele na cama de madeira, pouco antes de partir em definitivo. Prefiro assim, por mais que o pensamento seja suficiente para fazer meu coração sangrar. Respiro fundo, abro os olhos devagar, mas ele continua no quarto.
Bruno está mais perto de mim.
— O que você quer? — pergunto ao fantasma.
Noto um leve movimento de seus olhos, como se eles estivessem se arregalando, embora sejam apenas orbes pálidas. Levanta o braço direito com dificuldade, a carne putrefata estala e derruba uma camada de cinzas que deixa pequenos buracos negros em sua pele. A porta do banheiro abre e eu viro o rosto em desespero.
— O que está acontecendo? — Melissa indaga.
— Não entre no quarto!
Mas é tarde demais. Melissa para com os dois pés após a porta, me olha confusa com o que está acontecendo e eu abaixo a cabeça, derrotado. Sorrio nervoso. A cena dela sendo devorada pela escuridão me faz tremer.
— O que você está vendo? — pergunto.
— Feixes brancos… e está fazendo frio aqui dentro — responde, abraçando-se na tentativa de se aquecer.
Franzo as sobrancelhas. Essa é a primeira vez que ela parece sentir. Encaro meu irmão cujo rosto se direcionou a jovem que ele conheceu em vida. Uma sensação estranha e nada apetitosa invade meu estômago ao perceber que se for mesmo o meu irmão… ele a está vendo nua. Eu não quero que ninguém mais a veja assim.
— Bruno está na minha frente, não vê? — resmungo entredentes.
— Não… — Melissa se encolhe no chão, escondendo-se envergonhada.
Bruno volta a me olhar com a face inexpressiva e fúnebre. Seus dedos se fecham, exceto o indicador. Aponta para uma das paredes como se tentasse me sinalizar alguma coisa. Está mirando o quarto da nossa mãe. A boca se abre com dentes pretos, a língua uma massa branca-amarelada com fluidos negros escorrendo do céu da boca. Minha mãe costumava falar que fantasmas não existiam, que eles eram demônios disfarçados de entes queridos e eu não duvido mais dessa possibilidade.
— Mãe — ele fala com a voz rouca.
Seu corpo se desfaz em cinzas. Puxo o ar como se tivesse me afogado, arregalo os olhos e sinto o refluxo subir pela garganta. Começo a tossir violentamente, espalhando sobre a cama as mesmas cinzas do fantasma. Melissa grita, desesperada, e corre para fora do quarto. Pelo menos ela está segura, passa pela minha cabeça, mas ela retorna com um copo d’água que não consigo sequer segurar por causa da tosse.
A névoa desaparece na mesma frequência que a tosse. Respiro fundo outra vez, dessa vez para acalmar o corpo, e aceito o copo d’água.
— Você viu mesmo seu irmão? Bruno estava aqui? Ele ainda está?!
Balanço a cabeça para os lados, o copo ainda nos lábios. Ela parece encantada com a possibilidade, os olhos brilham buscando algum sinal fantasmagórico no quarto. Tenho certeza de que se ela tivesse visto Bruno no estado em que eu o vi ela não estaria assim tão animada.
— Não estou mais vendo feixes brancos e o frio diminuiu… — Melissa comenta, confusa.
Abro a boca, mas a voz não sai. Insisto um pouco mais e sinto gosto de sangue pela garganta e faringe. Volto a tossir e sacudo o copo pedindo mais água. Melissa volta a correr para me ajudar. Fico sozinho olhando as cinzas. Seguro uma porção entre os dedos e ergo as mãos assistindo-as cair.
— Essas cinzas… são do Bruno?
— Vo…cê…já…viu…is…so?
Consigo falar com muita dor antes de tomar o copo inteiro de uma só vez.
— Já ouvi falar sobre algo “semelhante”. Ectoplasma podia tomar formas físicas, mas eram necessários para que um espírito aparecesse. Talvez essas cinzas sejam apenas isso, resquícios do ectoplasma.
Entendi. Estou mais fodido do que pensava.
— Bruno fez ou falou alguma coisa?
Afirmo em silêncio. Melissa veste uma de minhas camisetas de banda que cobre até metade de suas coxas. Para ao lado da cama, também olhando para as cinzas. Vejo em seus olhos uma curiosidade genuína. Coloca os cabelos para trás e encosta nas cinzas com receio.
— Tem alguma ideia do que seja isso?
— Não…
— Sua voz está voltando, isso é bom. Estranho, mas bom.
Concordo.
— Mãe.
— Mãe? Olha, Ian, eu não curto muito esses kinks não.
Reviro os olhos, segurando a risada.
— Eu acho que… vamos encontrar respostas… nas coisas dela…
— Bruno falou isso?
Concordo em silêncio.
— Você quer fazer isso agora?
— Não.
Melissa suspira, aceitando. Agarra as cobertas e puxa derrubando-as com as cinzas aos pés da cama. Depois, pega o celular e se senta ao meu lado e se foca na tela que brilha na cor do aplicativo de comida.
Vou até a sala, visto a cueca e entro na sacada.
Fecho os olhos e presto atenção no som da chuva batendo contra os vidros, o vento assoprando forte, os trovões passageiros ribombando nas nuvens. Abro uma fresta das janelas. O vento frio arrepia meu corpo, gotas d’água chicoteiam a pele. Sento-me na poltrona em que tantas outras vezes estive com meu irmão. Abro a gaveta da cabeceira entre os assentos e acendo um cigarro.
Culpa. Felicidade. Tristeza. Saudades.
Os sentimentos se colidem e se esvaem em lágrimas.
— Ian, já fiz o pedido. Ainda vai demorar para chegar. Está tudo bem?
— Está, por que não estaria?
Melissa entra na sacada e se senta na outra poltrona. Não, aí era dele, penso, mas deixo o resmungo infantil passar batido. Também pega um dos cigarros deixados na gaveta. Fumamos em silêncio, apenas o som da chuva e dos ventos invadindo o espaço. Espio-a de canto, o cigarro na boca, preso entre os dedos, brilha forte graças a baixa luminosidade do ambiente, o que faz com que seu rosto ganhe tons dourados.
Dou uma longa tragada e suspiro pesado.
Melissa parece uma divindade.
— Desculpa não parecer tão animado depois de…
— Não esquenta, eu não levei a mal — me responde com uma risadinha.
Fico aliviado.
Melissa volta a tragar com calma, assopra e pergunta:
— Como foi para você?
— Eu adorei o que fizemos e—
— Não! Não isso! — Melissa coloca a mão no meu braço e ri.
Sinto as bochechas esquentarem e meu coração acelera.
— Como foi ver o Bruno?
Melissa encara o céu tempestuoso com uma expressão melancólica. Suspiro, dou uma tragada e solto devagar. A fumaça preenche nosso espaço, deixando impresso o fedor de nicotina antes de espiralar para fora. Abro um sorriso forjado nas lembranças que abatem minha consciência.
Bruno e eu tivemos uma conversa nessa sacada dias antes de ele partir. Após a ida de Jonas nossos diálogos ficaram extensos, pois não precisávamos nos preocupar em acordar ninguém. Nossa última conversa naquele lugar foi apenas dois dias antes de ele pegar uma corda e partir. Falamos sobre as banalidades do cotidiano, faculdade, trabalho, jogos, relacionamentos.
Viro o rosto para a mulher ao meu lado. Continua prestando atenção na tempestade.
— Se você sentir que ela é a mulher certa, invista nela — Bruno falou naquela noite, pois sabia como eu me sentia de verdade. — Só temos uma vida para ficar com quem amamos, então aproveite o tempo que tem.
Pareceu tão simples que antes de me deitar eu cogitei enviar uma mensagem para Melissa contando meus verdadeiros sentimentos, mas logo notei como estava possuído pelo momento e desisti. Jamais seria simples assumir essas coisas. Ainda mais não tendo nada a oferecer. Neste exato momento eu não consigo tirar de mim a certeza de que cometi um erro ao envolvê-la nos meus problemas…
— Estranho. Vê-lo foi estranho.
Uma trovoada faz as janelas estremecerem. Contemplo a natureza destrutiva, termino o cigarro e acendo outro na sequência.
— Nem um pouco bom?
— Ele mais parecia um zumbi. Não foi agradável aos olhos.
— Ainda assim, ter a chance de falar com seu irmão que se foi…
Melissa desliza a ponta dos dedos pela cicatriz.
— Não é como se ele tivesse me deixado há muito tempo.
— Entendi. Faz sentido. Então você não sente saudades?
— Sinto. Todos os dias.
Sorrio com as memórias cravejando minha mente como punhais. As brincadeiras de criança, as tardes de anime na adolescência, as noites de videogame cheio de salgadinhos, doces e refrigerantes. Eu adoraria voltar àqueles tempos só mais uma vez.
— Aprendi uma coisa com tudo isso, Mel.
— E o que foi?
— Não importa se você perdeu alguém a uma semana ou seis meses, a saudade estará lá desde a partida até seu último suspiro.
— O luto, afinal, é amar sem ter como exercer o amor.
Melissa sorri melancólica.
Penso no que a mãe dela falou no hospital. Sobre o filho perdido, o que estava por trás das cicatrizes.
— Você já perdeu alguém próximo?
— Sim, mas faz muito tempo.
— Quem era?
A tempestade fica mais forte. Melissa vira o rosto, se escondendo da chuva.
— Não precisamos falar disso se não quiser.
— Meu irmão.
O anúncio faz trovejar outra vez.
Aperto os olhos, desvio o rosto. Sinto que cometi um crime. Minha curiosidade não deveria ser motivo para fazê-la sofrer com memórias tão dolorosas; esse é meu pensamento racional, mas, no fundo, eu quero ver suas feridas mais profundas. Quero ver tudo que há nela, sem filtros.
Calamo-nos durante vários minutos. A chuva faz barulho dentro e fora. Não acendo um terceiro cigarro. Vejo no reflexo da janela uma silhueta nos esperando na sala. Posso ver seus olhos vermelhos brilhando suavemente na escuridão, como um aviso bastante claro: seu tempo está acabando.
— É melhor eu começar a procurar as pistas e…
— Não. — Melissa segura meu pulso com força. — Fica comigo.
— Sabe que não precisa me pedir assim.
Deslizo a mão pela dela, sento-me de novo e beijo sua mão. As lágrimas fazem seus olhos brilharem. Enxugo suas lágrimas com carinho, forçando um sorriso para fazê-la se sentir melhor. Sinto vontade de chorar. Eu quero desabar. Não apenas por vê-la tão machucada, mas porque percebi que será assim que a deixarei quando partir.
— Ficaremos juntos até você não querer mais.
— Juntos?
— Juntos.
— Você me promete, Ian?
— Eu prometo, Melissa.
Funga abrindo um sorriso tímido, sobe no meu colo e se aninha no peito. Seus braços envolvem meu pescoço e faço cafuné nela. Os olhos vermelhos continuam nos assistindo no reflexo. Posso ver o sorriso malicioso que me assombra desde a infância, mas eu não fico com medo. Os sentimentos conflitantes de antes parecem ter finalmente se misturado e se tornado um. Desta vez, porém, posso chamá-lo de determinação. Não uma que me deixe cego, mas uma que me faça querer pelo menos tentar. Tentar às vezes é a melhor coisa que podemos fazer.
— Eu não vou te deixar — sussurro.
— Acredito em você.
Vou lutar contra isso, a silhueta desaparece e eu fecho os olhos, abraçando-a forte. Você não vai precisar me perder, meus dedos cravam em suas costas enquanto meu coração acelera. Melissa retribui ficando mais encolhida em mim. Eu não quero perder isso. Quero continuar abraçado nela para sempre, mesmo que isso seja tempo demais, mesmo que isso signifique apenas uma vida; mas não posso aceitar uma vida de algumas semanas.
— Precisamos encontrar pistas do paradeiro da minha avó.
— Eu sei, mas é tão bom ficar assim contigo.
Sorrio em concordância, afinal a única certeza que tenho é sobre o presente. Este em que estamos juntos, aninhados na poltrona, assistindo à chuva e trocando carícias. Os dedos dela deslizando pelas minhas costas, os meus em seus cachos rosados. O futuro é uma grande neblina, com a possibilidade de ser apenas um precipício, então só me resta aproveitar o momento.
Ficamos assim até a comida chegar. Tive que me vestir rápido para buscar o pedido. Ela pediu yakisoba outra vez, mas com rolinhos primavera adicionais e bolinhos de bacalhau. Quando voltei ela também estava vestida. Comemos no sofá, ela é craque no uso de hashis e eu desisti e peguei garfo e faca. Ligamos uma série em uma plataforma de streaming para nos acompanhar. Terminamos de comer antes do episódio terminar e aproveitamos o resto dele para descansar, sua cabeça em meu ombro e minha mão fazendo cafuné.
Assim que o episódio terminou fomos ao quarto que era da minha mãe. Parecia muito com os outros dois, mas era muito, muito maior. Melissa ficou impressionada com o ambiente. Vários quadros pendurados, a televisão gigantesca na parede, as roupas de camas elegantes. Perguntou onde encontraríamos alguma coisa e eu apontei para a cama-baú. Levantei a parte superior na sequência, o colchão bastante pesado, e fiquei segurando-o, indicando a Melissa que começasse a retirar todas as pastas e caixas que conseguisse enquanto eu sustentava o peso para não cair.
Em poucos minutos o quarto virou um depósito com caixas, pastas de várias cores e cadernos espalhados no chão. Minha mãe etiquetou cada coisa para nunca se perder na organização. Exames dela e dos filhos, documentação sobre o apartamento, coisas dos tempos de escola, trabalhistas dela e até coisas da sua tia. Nenhum título indica minha avó.
— Por onde devemos começar, Ian?
— Desistindo e voltando para a cama?
— Quem diria que você tem esse fogo todo, hein, garanhão?
Ficamos rindo feito dois adolescentes idiotas que não estão tentando evitar um espírito maligno.
— Qual o nome da tua avó?
— Até onde eu sei, era Maria Rosa Andradas Silva.
Abro a caixa dos exames médicos da minha mãe e começo a espalhar blocos de papéis e arquivos ao meu redor. Melissa faz o mesmo com os documentos médicos dos meus irmãos. Sua atenção se volta totalmente a investigação, mas isso não a deixa menos atraente; os olhos focados, as sobrancelhas apertadas suavemente, os lábios fazendo biquinho sem nem perceber.
— Eu não sou as respostas, Ian — debocha.
— Desculpa.
Ela solta uma risadinha, coloca vários papéis em uma pilha à esquerda e toma outro bloco para folhear. Sei que ficaremos uma boa parte da noite procurando alguma coisa sobre essa mulher misteriosa, então tento fazer o mesmo e folhear depressa os históricos médicos, focado no nome preenchido no topo das fichas.
Percebo neste momento que não adicionamos os últimos registros médicos da minha mãe em suas coisas. Onde foi que colocamos mesmo? Será que realmente buscamos o histórico no hospital após ela partir? Jonas buscou o atestado necessário para darmos baixa em suas contas, retirarmos o seguro e todas as burocracias funerárias, mas e o resto da papelada? Fico um pouco incomodado com essa falta. Quando Bruno ficou internado após um acidente durante a aula de educação física ela fez questão de guardar cada evolução médica, mas nós nem fomos buscar os dela? Que filhos horríveis.
Gotas caem nas folhas. Estão vindo dos meus olhos. Sacudo a cabeça, enxugo as lágrimas. Respiro fundo, ergo os olhos, tentando conter o choro avassalador. Mexer nessas coisas é muito mais difícil do que eu pensei que seria, pois cada fina folha de papel conta parte de uma história interrompida abruptamente. De uma mãe, de um irmão mais velho, de um irmão do meio. Dentro de seis semanas será também parte da história interrompida de um filho caçula.
Melissa está muito, muito focada no trabalho. Acho que nunca a vi com expressão mais séria. Consigo soltar o ar com mais calma. Talvez não exista uma saída para o que está prestes a acontecer comigo. Quem sabe vencer o sobrenatural seja impossível. Eu não duvido da possibilidade de estarmos investigando algo inútil, influenciados pelas mentiras de um espírito maligno. Baseado no destino de todos da minha família, eu tenho seis semanas e nada mais. Entretanto, mesmo sabendo de todas essas possibilidades, mesmo me sentindo sem nenhuma esperança, eu consigo sorrir.
Pelo menos Melissa estará ao meu lado nos meus últimos dias.
A noite se aprofunda sem que encontremos uma única resposta. Escutamos a chuva ficar mais pesada e depois mais suave até se tornar um ruído de fundo ao bater nos telhados.
Ficamos em silêncio a maior parte do tempo, focados apenas em encontrar o nome da minha avó. Melissa se encosta na cama para aliviar as costas e poucos minutos depois adormece. Prefiro não acordá-la, ela merece descansar.
A carta de Bruno fica martelando na minha cabeça. Tem alguma coisa estranha na sua aparição fantasmagórica. Eu não sei em qual crença acreditar; devo considerá-lo um espírito que veio me trazer uma mensagem ou um demônio ardiloso mentindo para atrapalhar nossas buscas? Olho os inúmeros papéis ao nosso redor. Falta apenas uma caixa e duas pastas, etiquetadas como documentos de apartamentos e aluguéis antigos.
Pensa, Ian, pensa.
Bruno deve ter encontrado alguma coisa sobre nossa avó. Eu nunca o encontrei mexendo nas coisas da mãe, ou seja, ele fez isso quando eu não estava em casa. Ainda assim, as coisas estão muito arrumadas, nem parece terem sido mexidas de verdade. Ele pode muito bem ter reorganizado após procurar, mas por que ele teve essa epifania em primeiro momento? Será que o Chapeleiro instigou a mesma ideia em sua cabeça?
Saio do quarto com cuidado para não acordá-la. Respiro fundo, entro no quarto de Bruno e abro seu guarda-roupa. Pego a folha de papel que devia estar incluída na maldita carta de despedida. A letra é dele, o pesar também. Sento-me em sua cama, o colchão é duro como a âncora no meu coração. Percebo um detalhe que ignorei por completo na última investigação: todas as camas dessa casa são do tipo baú.
Levanto a parte superior da cama dele. Cabos, baterias, controles estragados, consoles antigos, cartas de Yu-Gi-Oh!, mangás e livros saltam aos meus olhos. No canto, porém, uma pasta transparente me chama atenção, me estico até ela, viro a pasta e abro um sorriso largo. A pasta está etiquetada com uma única palavra que me revela todo seu conteúdo.
Na etiqueta está escrito “Rosa”.
Comentário do Autor
Você Não Está Só finaliza no capítulo 26. No entanto, como falei no BlueSky, existe conteúdo para uns 3 volumes. Escreverei, mas não sei se e/ou quando publicarei. Depende se haverá uma demanda real para isso. Tenho ainda outros projetos que pretendo me debruçar em breve — volumes únicos, mais voltados ao horror.
Acho que estou num momento de transformação de novo. Tenho pensado mais em mídia física das coisas, em como gostaria de ter livros físicos, e também sobre como quero manter uma essência específica minha no que escrevo — essa que brinca com ocultismo, pactos, demônios e coisas sobrenaturais, independente do gênero realmente empregado.
Confesso que o burburinho do My Chemical Romance anunciando turnê (venham pro Brasil!) me fez refletir ainda mais sobre minha arte, logo após semanas refletindo. Sinceramente, desde que comecei a publicar VNES não existe um único dia em que não pense sobre minha arte, meu trabalho, minha carreira, e o que estou fazendo, deixando de fazer e/ou deveria estar fazendo por ela.
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